Artistas de Alagoas usam a arte para falar da importância de preservar o rio São Francisco

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Jasiel dos Santos, 54 anos, um dos fundadores da Olha o Chico, diz que a ONG propõe “olhar para o rio e se enxergar através dele”

O protagonista dessa história é o Rio São Francisco. Um dos mais importantes do país, conhecido carinhosamente como Velho Chico, ele banha a cidade de Piaçabuçu, em Alagoas. Fica ali a foz do Velho Chico, onde o rio deságua no mar e onde o casal de professores Dalva de Castro e Jasiel dos Santos decidiu usar a arte para despertar a consciência ambiental da população e preservar o rio.

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Tudo começou entre 1998 e 2000, quando Dalva, então secretária de cultura da cidade, criou um programa em que jovens aprendiam artes. “Depois que ela deixou o cargo, eles foram nos procurar para continuar o trabalho”, conta Jasiel. Dalvinha já fazia parte de uma instituição desativada e resolveu reunir os diretores à beira do rio para dar nova vida a ela. Nascia ali a Associação Amigos de Piaçabuçu: Olha o Chico, “que propõe olhar para o rio e se enxergar através dele”, na definição repleta de poesia de Jasiel. “Dalvinha, que nos deixou em 2020, via a arte como instrumento para transformar a visão das pessoas”, diz Jasiel.

O primeiro passo da associação foi levar às ruas um sarau que acontecia na casa de artistas ligados ao grupo. As apresentações musicais, de poesia e de contação de histórias na beira do rio eram o chamariz perfeito para a comunidade conhecer o trabalho da ONG e receber sua mensagem: a de salvar o rio. Outro foco do projeto eram as oficinas de arte, que começaram de maneira informal e logo se consolidaram na Escola Viva, onde alunos aprendem artes tradicionais e expressões da cultura local com professores e os chamados griôs, mestres da comunidade.

“Colocamos o rio como prioridade”

O combinado é o seguinte: toda a produção da escola ganha os palcos do sarau. “Em toda manifestação cultural nossa, colocamos o rio como prioridade, já que é fonte de vida para nós”, diz Jasiel, acrescentando que o processo criativo na ONG envolve entrevistar pescadores, agricultores e outras pessoas que encontram no rio sua fonte de sustento e de inspiração.

Tem música que não pode faltar no sarau. É o caso de Cuidado Rio, em que Madson Andrade entoa: “Cuidado rio para não morrer, pois se morrer, virar sertão, não vai ter peixe para comer nem água para beber, não”. “O nosso Velho Chico vem de tanto vilarejo, passa por tanto pelejo, que quando chega está seco”, canta Mira Dantas em outra composição. As canções denunciam que a água do Velho Chico está perdendo espaço para o mar.

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A principal causa dessa transformação ambiental é o controle das usinas hidrelétricas sobre a vazão do rio desde o fim dos anos 1990. Esse processo faz com que, em cidades como Piaçabuçu, na foz do rio, onde ele se encontra com o mar, predomine a água salobra, o que inviabiliza o consumo da água para beber e cultivar hortas. O avanço do mar sobre as águas do rio também ameaça os coqueiros, as abelhas e plantações cultivadas à beira do curso.

Nova geração não sabia da riqueza do rio

Para inspirar a preservação do rio, a artista Linete Matias, 38 anos, resolveu resgatar as memórias de um Velho Chico forte em um espetáculo de contação de histórias. “Me lembrei das cheias, da fartura de camarão, das plantações de arroz…. Percebi que a geração nova não sabia dessa riqueza do rio. Então, comecei a falar da sua potência.”

Durante a pandemia, os saraus da Olha o Chico viraram virtuais. Mas, em agosto de 2021, quando a covid-19 deu uma brecha, os artistas saíram pelas ruas com carrancas feitas em uma oficina on-line. Brincando, cantando e contando histórias sobre o rio, o cortejo teve como objetivo afastar as mazelas que atingiam a humanidade, como a covid e, é claro, a degradação do Velho Chico. Diz a tradição local que as carrancas eram colocadas na proa das embarcações para afastar energias ruins e a fúria dos encantados, seres mágicos que vivem no fundo das águas doces.

“O rio é nossa fonte de sobrevivência poética e alimentar”, diz Linete. Segundo ela, pessoas tocadas pelas produções da Olha o Chico pararam de jogar lixo no rio. Em 2021, a associação integrou um movimento contra a abertura de poços de petróleo e gás na bacia Sergipe-Alagoas. A aprovação da licença ambiental da obra foi suspendida temporariamente.

Conviver com a natureza e respirar arte

Além da mobilização pela causa ambiental, a ONG também é um caminho para aqueles que querem estudar e trabalhar com arte. “Cerca de vinte pessoas que passaram por aqui hoje estão na faculdade ou já se formaram”, diz Jasiel. Maria José Santos Dias, a Zezinha, de 46 anos, está entre elas. Trabalhando como doméstica, ela estava deprimida em 2009, quando o coral da igreja onde cantava participou de um sarau da instituição. Empolgada, Zezinha mostrou à Dalvinha músicas que compunha em segredo. Jasiel musicou as letras e as canções foram apresentadas nos saraus seguintes.

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Zezinha, então, começou a participar da Escola Viva e produziu um documentário. “Imagina a minha alegria: eu não tinha perspectiva de estudar nem de ser artista, mas, com o incentivo do projeto, me formei em dança pela Universidade Federal de Alagoas”, diz ela, que hoje retribui dando aulas na ONG e se apresentando no Grupo Caçuá, de artistas ligados à associação. “Não consigo ver a minha vida sem o rio e sem a Olha o Chico. Ambos fazem parte de quem eu sou.”

Os planos para o futuro da Olha o Chico incluem transformar a Escola Viva em uma escola estadual diferenciada, o que garantiria verbas a sua manutenção. Hoje, a contribuição de associados, junto com editais e parcerias com instituições públicas e privadas, mantém a ONG ativa. “Queremos ser uma referência de educação ambiental e valorização da cultura da comunidade”, diz Linete. “A associação nos ensina a conviver com a natureza e a respirar arte”, garante Zezinha. “Quem entra aqui não estagna, quer sempre crescer.”

Texto: Martina Medina
Foto: Juliana Gomes

Conteúdo publicado originalmente na TODOS #43, em maio de 2022.

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