Doença rara afetou 12 membros da mesma família e potencializou o amor ao próximo

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28 de abril é o Dia Nacional da Conscientização da doença de Fabry, uma condição de
origem genética que pode afetar de cinco até 15 pessoas de uma mesma família.¹

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A Doença de Fabry é causada por mutações no gene GLA, que produz a enzima alfa-
galactosidase A (α-Gal A), enzima responsável pela quebra da substância gordurosa
globotriaosilceramida (GL-3)². Com a mutação, a enzima não funciona corretamente, o que
causa o acúmulo dessa substância nos órgãos¹, provocando sintomas como dor e
queimação nas mãos e nos pés, dores e alterações gastrointestinais, manchas vermelhas na
pele e, em estágios mais avançados, doenças nos rins, coração e derrames, que podem levar
à morte.²

Você provavelmente nunca ouviu falar dessa doença, mas se hoje estamos falando sobre
este assunto, é porque muitos já sofreram no passado em busca de diagnóstico e de
informação de qualidade que ajudasse a identificá-la.

Essa é a história da família Slongo, do Rio Grande do Sul, que através de um exame teve 12
pessoas da família diagnosticadas. Várias pessoas do núcleo familiar apresentavam sintomas
da doença, como dores no corpo, problemas cardíacos, renais e neurológicos, porém a falta
de conhecimento sobre a condição prejudicava a correlação dos sintomas, que acabavam
sendo tratados individualmente. Como é comum às doenças raras, a família Slongo passou
anos e anos atrás do diagnóstico, recebendo diversos diagnósticos incorretos, até chegar na
Doença de Fabry.

Em 2005 veio a resposta que eles tanto buscavam e, no total, 13 pessoas da família fizeram
o teste que detecta a doença, que consiste em um exame de sangue para avaliar a atividade
enzimática e mutações no gene GLA. Dessas, 12 apresentaram resultado positivo. Dona
Vitalina, matriarca da família, todos os seus filhos, e alguns netos foram diagnosticados com
Fabry.

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“Fizemos uma lotação em uma Kombi para ir realizar o teste. Quando o médico disse o que
era, fizemos uma festa, porque foi tanto sofrimento para identificar a doença que aquilo era muito significativo
, pois era a resposta sobre o que nós estávamos enfrentando”, disse Adriana Slongo.

Entre os que testaram positivo estavam Ari Slongo (Ninho) e Munique Coronetti, marido e
filha de Adriana. Quando veio a descoberta da doença, Munique tinha apenas 15 anos. “O
diagnóstico para mim foi um grande alívio. Porém, quando fui procurar por respostas, elas
eram muito precárias. Aquilo acabou me assustando um pouco, não sabia se eu ia me
recuperar, e como ia”, disse Munique.

Munique e Adriana juntas em 2017, antes da morte de Ninho e da ida de Munique para os Estados Unidos. Foto: Arquivo pessoal

Aquele alívio da descoberta veio recheado de dúvidas sobre o tratamento, pois quase
ninguém conhecia a doença. Munique cresceu em um ambiente que “respirava” a doença,
pois além dela e do seu pai, os seus tios e primos também herdaram a Doença de Fabry.
Juntos, eles começaram uma nova busca, agora pelo tratamento e por conhecimento.

A família buscou todas as alternativas, até tratamento com células-tronco. Adriana e Ninho
tiveram um filho, o Samuel, na esperança de que utilizando o material genético dele
pudesse ser possível reverter a doença nos familiares com mesmo DNA. “O tratamento
não funcionou, mas deu muito certo porque ganhamos mais um filho lindo e amado”, disse
Adriana.

Ninho parou de andar, mas conseguia dirigir e circulou todo o Rio Grande do Sul levando conscientização sobre Fabry

Adriana, Ninho e Munique passaram a bater de porta em porta, de hospital em hospital e a
rodar todo o Rio Grande do Sul, buscando apoio e levando conscientização.

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Ninho parou de andar por causa das limitações impostas pela doença, mas ainda assim,
conseguia dirigir. Para circular em busca de tratamento e visibilidade para o tema, a família
o colocava no carro e ele dirigia por todo o RS.

Ari (Ninho) quando casou-se com Adriana. Foto: Arquivo pessoal

“Não tinha um só dia em que meu marido não reclamasse de dor, mas ele fez isso pelos
nossos e por todos com Fabry. Ele não queria que mais ninguém passasse por aquilo que ele
estava passando”, conta Adriana, que não dirige.

A Associação realiza trabalho incansável por todo o Rio Grande do Sul. Foto: Arquivo pessoal

Após muitas pesquisas e idas e vindas, veio a resposta: a doença não tem cura, mas tem
tratamento. Trata-se da Terapia de Reposição Enzimática (TRE), ou seja, a reposição da
enzima que falta no organismo do paciente. Com a demora do diagnóstico, Ninho iniciou o
uso da medicação, mas os sintomas da doença já estavam em estágio muito avançado.

“Os médicos decidiram colocar um marcapasso nele, mas ele decidiu que não iria usar
porque ia ter uma sobrevida de poucos anos. Ele também decidiu ser cuidado em casa nos
últimos dias, porque não queria que acontecesse o mesmo que aconteceu com os irmãos
dele, de morrer sozinho em um CTI, gemendo de dores. Ninho morreu dormindo aos 44
anos”, relembra emocionada Adriana.

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Família fundou Associação para ajudar outras pessoas

A dor dessa família a tornou ainda mais forte: a dor fabricou amor. Em 2007, aquele
trabalho que nasceu de cidade em cidade levando conscientização sobre Fabry virou a
Associação Gaúcha de Fabry (AGF), que mantém voluntários nessa tarefa de popularizar o
conhecimento sobre a doença.

A AGF presta assistência a pessoas com a patologia, capacita profissionais, auxilia os
pacientes para acesso ao tratamento adequado e recebe o apoio de pediatras, nefrologistas,
cardiologistas, médicos clínicos, psicólogos e psiquiatras.

Médicos, advogados e outros voluntários ajudam no trabalho da AGF. Foto: Arquivo pessoal

Através deste trabalho, eles já detectaram 130 pessoas no Rio Grande do Sul com Fabry e
prestam assistência a mais de 500 pessoas no Brasil todo. A ONG tem uma sede em
Tapejara (RS).

Foto: Arquivo pessoal
A associação ajudou a descobrir e dar apoio a centenas de pessoas e famílias. Foto: Arquivo pessoal

Estima-se que a doença acometa 1 em cada 40.000 homens e 1 em cada 20.000 mulheres
no mundo.³ No Rio Grande do Sul, muitas famílias são diagnosticadas com Doença de Fabry,
e essa alta prevalência pode ser atribuída ao efeito fundador, o que significa que houve uma
disseminação da doença ao longo das gerações por parte de um ancestral comum, que teve
um grande número de descendentes.4

Após a morte do seu pai, Munique se mudou para os Estados Unidos. “Senti que precisava
de um recomeço”, conta. Lá na Califórnia, ela tem auxílio de uma ONG que paga um plano
de saúde, que lhe dá direito à medicação e a acompanhamento médico e de enfermeira.

Apesar disso, ainda sofre com dores e muita fadiga. “Às vezes deito para dormir e passo dois
dias dormindo e acordo cansada no terceiro dia. Mas não posso reclamar, isso não é nada
perto do que já passei. Tenho muita qualidade de vida com o tratamento”, disse.

Família precisa estar atenta aos sinais e o diagnóstico deve ser compartilhado

Por ser uma doença hereditária, diz respeito a todos da família. E como é comum em
doenças raras, é necessário estar atento aos sinais. Caso haja o diagnóstico de um membro,
todos devem ser examinados.

O diagnóstico precoce, que também avalia o histórico familiar, aumenta as chances de
melhorar a qualidade de vida das pessoas e retardar o avanço da Doença de Fabry.¹-³

“Essas pessoas existem, estão aí e precisam ser olhadas, precisam ser retiradas da
invisibilidade. Tem pessoas sem medicação há 2 anos”, protestou Adriana.

MAT-BR-2205276

¹. Rozenfeld, P. Fabry pedigree analysis: A successful program for targeted genetic approach. Mol Genet Genomic Med. Jul de 2019, p. 7(7):e00794. doi:10.1002/mgg3.794.

². Germain DP. Fabry disease. Orphanet J Rare Dis. 2010 Nov 22;5:30. doi: 10.1186/1750-1172-5-30. PMID: 21092187; PMCID: PMC3009617.

³ U.S., NIH. National Library of Medicine. Genetics Home Reference, Fabry Disease. [Online]
https://ghr.nlm.nih.gov/condition/fabry-disease#statistics.

4. Laney DA, Fernhoff PM. Diagnosis of Fabry disease via analysis of family history. J Genet Couns. 2008 Feb;17(1):79-83. doi: 10.1007/s10897-007-9128-x. Epub 2008 Jan 3.

5. de Alencar DO, Netto C, Ashton-Prolla P, Giugliani R, Ribeiro-Dos-Santos Â, Pereira F, Matte U, Santos N, Santos S. Fabry disease: Evidence for a regional founder effect of the GLA gene mutation 30delG in Brazilian patients. Mol Genet Metab Rep. 2014 Sep 26;1:414-421.

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